A pasta


Duas da tarde. Hora de planejar o deslocamento. Primeiro é na Barra Funda, entre as estações Marechal Deodoro e a que dá nome ao bairro. De lá sigo para Pinheiros, uma pequena rua próxima ao cruzamento da Brigadeiro Faria Lima com a queloniana Avenida Rebouças.

Vejo o nome das ruas, confiro o número dos prédios, abro meu fiel Guia São Paulo 2001 e começo a procurar meus destinos. Tenho um certo prazer em olhar mapas de cidades, decorar ruas, saber o nome dos bairros, descobrir os melhores caminhos. Não duvido que um dia eu tenha uma ereção ao descobrir cruzamentos entre vias de duplo sentido, tipo uma Alameda Tchecoslováquia com Rua Peru.

Rotas traçadas, meios de transporte definidos, lá vamos nós. Pasta-portifólio (sem alça) de 5 quilos medindo 40x50cm em uma das mãos, mochila nas costas, óculos escuro na cara, 30 graus de temperatura no termômetro e camisa molhada de suor dentro de alguns minutos. Entro no metrô, lotação máxima no Paraíso, baldeação dos infernos na Sé, entro no trem lotado de novo, braços pra cima, odores estranhos vindo de sovacos alheios. Ai, São Paulo, vai à merda.

Estação Marechal Deodoro, primeiro ponto de parada da tarde. O elevado em cima da avenida me faz refletir sobre a inusitada estética malufista. Concluo que os dejetos provenientes de mendigos, depositados sob o Minhocão, são a clara fonte inspiradora da escola arquitetônica presente no centrão paulistano em forma de via elevada. 5 ou 6 quarteirões a pé, chego ao meu destino. A pasta, feita de um couro sintético, praticamente gruda em parte do meu braço devido à transpiração.

5 ou 6 quarteirões a pé para voltar não me parecem uma boa idéia. Um táxi até um ponto onde eu sei qual ônibus tomar não faria grande mal. Dez reais de táxi até a Paulista. Posso entrar em qualquer coletivo que desça a Rebouças até a Faria Lima. Logo de cara acho um e entro. Por enquanto não muito cheio, mas já não encontro lugar para sentar e, acredite, com uma trambolha de uma pasta (sem alça) de portifólio de 5 quilos nas mãos e mais mochila nas costas, qualquer um gostaria de um acento. O coletivo chacoalha, minha pasta também, o bonde lota ao limite do insuportável e as pessoas não param de entrar, o termômetro da Oscar Freire marca 31 graus e o sol não parece muito a fim de ser encoberto por nuvens. Odores de suvacos alheios voltam a bailar salsa e merengue entre minhas narinas. Torço do fundo do coração para que tais perfumes não tenham origem em minhas próprias axilas.

Pela janela observo motoristas solitários dirigindo automóveis em velocidade Nelson Ned. Penso em meu ex-carro vendido há 40 dias. Tão lindinho. Todo preto, ar-condicionado, CD player de marca genérica comprado no Mercado Livre. Tocava até MP3 o bichinho. Queria estar ouvindo Foo Fighters ou Autoramas ao volante. Lamentações de filhinho de classe média, argh. Uma senhora bate o joelho na quina da pasta, peço desculpa por ela, que além de pesar 5 quilos e não ter alça, também não sabe falar.

Desço do ônibus, checo o suvaco, tudo certo graças ao deus Axe Roll On. Perco o sinal verde de pedestres, não consigo correr devido à (não) forma física e também por causa dos 5 quilos de couro sintético e sem alça que carrego. Chego ao segundo e último ponto de parada da tarde. Prédio bonitão. Bem Faria Lima mesmo.

Agora são mais dois ônibus de volta para a Vila Mariana. Eu só queria sinceramente me livrar da pasta sem alça que atravanca minha locomoção. Ao menos interajo mais com as pessoas, já que preciso pedir licença ou desculpa a cada dois centímetros que ando no coletivo.

Percebo que as reclamações de publicitários desempregados não têm origem no próprio desemprego em si, mas inconscientemente, no desespero do transporte da pasta (sem alça) de portifólio de 5 quilos pela cidade. Penso ainda nos colegas Diretores de Arte, que por necessidade da função, precisam de pastas ainda maiores para exibir seus layouts em tamanho convincente. Ainda bem que sou Redator.

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O guia definitivo para situações inesperadas


(este texto também está publicado no horroroso www.ressacamoral.com)

Sábado à tarde na casa da namorada nova. Vocês estão abraçados no sofá zapeando a TV. Você prefere o Atlético Jabaroca x Jequitinhonha, decisão da Taça Mossoró, mas ela vence a disputa e vocês param numa reprise de Will & Grace. De repente, a bebedeira da noite anterior manifesta-se no intestino.

- Amor, seu celular vibrou, é mensagem?

Você sabe que não é o telefone. As duas dúzias de cerveja e mais o caldinho de feijão consumido às 5:30 da manhã não lhe deixam mentir.

- Benzinho, vou ao banheiro.

- Mas amor, é o último espisódio da terceira da temporada.

Leve corrida ao banheiro, porta trancada. Ah, o trono. Aqui você é rei. O diálogo com o vaso não será dos mais silenciosos, melhor ligar a torneira para abafar o ruído do bombardeio. Tudo nos conformes e os Tomahawks caem violentamente sobre Bagdá. Alívio.

Ele deveria estar ali, o papel, o maldito papel. Nervos sob controle, não temos papel, mas ao menos temos o...chuveirinho, não, não temos. No lugar dele apenas um cano tapado com uma rolha. Ela mudou com a vó para esse apartamento há pouco tempo, ainda não tem chuveirinho no banheiro. Agora sim podemos nomear a situação de crítica. O namoro é recente, não existe intimidade suficiente para que se abra a porta clamando por socorro.

- Amor, você vai demorar muito? Você tá respondendo a mensagem do celular, é? É a vagabunda da Fernanda te procurando? Ai, eu sabia! Eu sabia!

- Benzinho, não, você não está entendendo...

- Então sai daí e explica porque eu quero entender, porra, bem que a Jú me avisou que você ainda gostava daquela piranha, mas nãããooo, a idiota aqui resolveu tentar porque achava você isso, você aquilo, não, Jú, ele esqueceu a pilantra, eu sei, ele me jurou isso, esqueceu é o caralho, cafajestefilhodaputa, e o Diogo no meu pé, apaixonado, apaixonado, sabia disso, ô seu bosta, mas lembra da semana passada quando você disse que não podia me pegar na faculdade, pois é, ele podia e quer saber, dei, dei mesmo, fiquei toda arrependida achando que tinha feito merda, e a Jú, sim, a Jú, sua melhor amiga, deu apoio, sabia, ele é um cuzão, não te merece, chifra mesmo, aliás, ela também escondeu o meu porre e o meu vexame no churrasco do seu irmão, aquele gostoso, ah, que por sinal me comeu no banheiro enquanto você tava puxando o saco do seu chefe, o mesmo que vai te demitir na segunda quando eu contar quem foi que enviou aquele e-mail com a montagem dele pelado dando a porra da bunda pro cavalo, seu bosta! Seu bosta! Aproveita que você é um merda mesmo e te enrola todo com a porra do papel que tá no caralho do armário azul em cima do espelho! Vou sair, vou pra puta que pariu e se quando eu voltar te encontrar aqui, juro que te jogo pela janela com aquela porra de CD do Emmerson Nogueira que você me deu de presente e eu dizia que gostava só pra te agradar!

Problema resolvido. Com sorte você ainda pega o segundo tempo do jogo. Parece que a Vó dela torce pelo Jabaroca.

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Gosto de calçada


Doda, seu nome está sim na lista (SHHH), peça pra ver de novo, mas estamos em uma pizzaria aqui próximo (SHHH), qualquer coisa passa aqui. Onde é mesmo? (SHHH) Rua Purpurina, bem em frente a um posto BR (SHHH). Ah, certo, vou aí então. (SHHH) Doda...(SHHH) Doda?

Rua Purpurina? Será que eles são uma banda gay e eu ainda não tinha notado? Deixa pra lá, coisas de São Paulo e seus nomes de rua esquisitões, esse mais esquisitão ainda, eu é que não moraria nessa rua, já pensou? Doda, onde você mora? Ah, na rua Purpurina, é facinho de achar. Sai pra lá é que é!

Boa noite, a Rua Purpurina fica pra qual lado? Descendo mais seis ou cinco quadras por essa mesma rua o senhor ta lá. Obrigado.

E fui atrás da rua Purpurina encontrar o Los Pirata, afinal, meu nome não estava na droga da lista e não vou pagar dez reais pra entrar lá no tal do Studio SP. Os dez reais já são duas cervejas lá dentro e os tempos não são dos mais fáceis para um desempregado na cidade mais rica do país.

Amigo, essa é a Rua Purpurina? É sim, senhor. Você sabe de alguma pizzaria por aqui? Logo ali, senhor. Ah, encontrei e enfrentando apenas uma leve ladeira, estou no lucro, aqui está o posto...Esso? Olhei o restaurante todo, nada dos caras. Maldita rua Purpurina, mais cinco ou seis quadras a pé até a merda do Studio SP de novo.

De volta ao local, descobri que a tal pizzaria ficava apenas a uma quadra e meia da porta da boate e o nobre senhor Sérgio, guitarrista da bandinha de coreto de praça, havia confundido as pizarias. Calma, calma, devo pensar que foi para o meu bem, estou algumas dezenas de quilos acima do meu peso ideal, era uma ingestão de ânimo para que eu continue a comer frango grelhado com salada no almoço e prossiga andando quilômetros diários entre pontos de ônibus e estações de metrô.

Mal entendido resolvido, meu nome estava sim na lista, vamos ao bar. Cerveja a quatro reais, long neck Brahma, razoável, não é das mais caras. Pouca gente no ambiente ainda. O show vai começar e o estranho público que não vibra começa a apreciar a performance da banda. Como frisou o amigo Guilhermoso Wild Chicken (ou simplesmente Frango), parece uma apresentação de quarteto de cordas: todos ficam parados em silêncio e nos intervalos de músicas aplaudem efusivamente a banda.

O único animado a fazer um air guitar e bater cabeça parecia ser eu mesmo. Sinto-me um tanto quanto ridículo, confesso. Frango não faz air guitar e tampouco bate cabeça, mas pula como uma criança oitentista, feliz com seu novo pogobol. Mais uma música chega ao fim, aplausos extasiados. Outra música começa, todos se calam. Já devo estar pela quarta cerveja. Show termina e quem diria, o público pede bis, sendo prontamente atendido pela banda. Frango revolta-se com a atitude da trupe e retira-se do ambiente, pois segundo a cartilha xiita de atitude rock and roll, dar bis para público xôxo é ferir mortalmente os princípios do ritmo de Chuck Berry. Quinta cerveja, acho.

Fim de show, hora de bater papo e interagir com as pessoas. Mas que pessoas? Eu só conheço quatro, sendo que destes, três acabaram de fazer um show e cuidam de instrumentos e demais atividades de backstage (isto não foi um trocadilho), e o outro encontra-se sabe lá onde, talvez tentando ensinar as pessoas como agir em um show de rock: vamos lá, agora todos juntos, balancem a cabeça rapidamente para cima e para baixo; empurrem com força média o colega da esquerda, muito bem! Agora o da direita, isso mesmo! Outra cerveja, acho que é a sétima ou oitava, merda, como era mesmo o nome daquele atacante do Remo que sempre fazia gol no Paysandu na campanha do tricampeonato invicto 89-91? Rildon, porra! Rildon!

Algumas circuladas pelo ambiente depois, entro em uma animada roda de papo formada por alguns dos quatro caras que conheço na festa. As mulheres são todas mais altas, mas até consigo arrancar umas risadas de algumas, não sei se pela minha altura ou cara de zé. A banda que ocupa o palco agora vem de Portugal, o nome é de The Gift. O vocalista canta parecido com o rapaz do Radiohead, as músicas são bem parecidas também...ah, o vocalista é uma mulher, claro, eu tinha percebido, não, essa ainda não é a décima cerveja, é? Não, acho que tenho quase que certeza que não sei se é a décima...porra, o Rildon era foda. Não, Sérgio, vou ficar por aqui mesmo, obrigado pela carona, mas ainda preciso me dar bem com a...qual o nome dela mesmo? Glória! Oi, Glória...ah, não é Glória, eu sabia, espera um pouco que vou só pegar uma cerveja.

Calma, vou lembrar o nome dela, eu sei que vou, sei que vou, Rildon, seu filha da puta, sai da minha cabeça! Já sei, ela também não sabe o meu nome, claro que não sabe, vou utilizar isso como arma...oi, voltei, ei, você também não sabe o meu nome!

Não sei mesmo, desculpa, qual é? Edoardo, mas pode zamar, digo, chamar de Ril...digo, Doda! Prazer, o meu é (era a décima e alguma coisa cerveja, caro leitor, obviamente não lembro o nome da referida garota), você espera aqui enquanto vou ao banheiro? A clássica fuga para o banheiro, acho que me dei mal...vou esperar zó cinco minutoshh, se ela não voltar pago a conta e zamo um Rildon, digo, um Táxi.

Cinco ou quinze minutos depois (vai saber)...

Azeita é...o que mesmo...ah, cartão de zébito? Zerto, então pode passar a conta nele...obrigado, onde assino? Claro, zébito não assina, só o créditosh, Eu zabia, tava só tirando uma com a zua cara, ehehehe...uouououou...(blaft!). Puta que pariu, a calçada tá na minha cara, acho que caí ou então ela mudou de lugar...

O senhor não está bem, quer um táxi?

Opa, esses dois caras de terno tiraram a calçada da minha cara, zerá que são meus zeguranças? Mas eu cheguei em São Paulo tem unsh 20 diass, ainda não tenho emprego, como posso pagar zeguranças? Mas que metido a besta eu sou...

O senhor mora onde?

Morumbi, digo, Vila Mariana! Quase do lado...é, não são meus zeguranças, mas este aqui é o meu táxi pelo jeito, ainda bem que não estou dirigindo. Boa noite, o senhor fica por onde na Vila Mariana? Er...eu não sei...não sei...talvez, quem sabe? Pô, zei lá, pega a Paulista e de lá vou lembrando. Calma, lembrei! O zenhor pega a Domingosh de Moraiss, dobra na Linsh de Vasconcelosh e depois na Neto de Araújo, vou dormir, se der maish de 25 reaish já sei que o senhor me enrolou, portanto, nada de gracinhash!

Quanto deu? Vinte e sete senhor. Tá, dessa vezsh passa, toma aí.

Entro no apartamento tentando fazer o mínimo de barulho, preciso apenas entrar no quarto, estender o colchão e dormir. Porra, Doda! Dá pra fazer menos barulho, são cinco e meia da manhã! Ih, foi mal...putz, que diabo é isso aqui...(Blaft! Spunc! Cataploft!)...ah, era o monitor...boa noite, cara.

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Micos e chuvas


Cenário: agência de propaganda multinacional com faturamento na casa dos milhões instalada em prédio modernoso em Pinheiros.

Personagem: publicitário paraense novo na cidade carregando pesada pasta com seu portifólio e pesada mochila com: guia de São Paulo 2001, câmera digital, CDs de backup diversos, carteira, cigarros, caneta, óculos, uma cocada escura comprada na lancheria do Ary e celular.

- Bom dia, a Luciana redatora, por favor.

- Só um momento, por favor.

Enquanto a recepcionista ligava para o ramal correspondente, o sedentário rapaz, acostumado a carro próprio e ar-condicionado, tenta enxugar com os braços e as mãos o suor causado pelas intermináveis caminhadas entre estações de metrô e pontos de ônibus sob o sol de inacreditáveis 34 graus paulistanos.

- Senhor, ela ainda não chegou, o senhor aguarda?

- Sim, claro.

Fumar lá fora pareceu uma boa idéia. Duas mulheres na faixa dos 30 anos acabaram de passar com cigarros nas mãos rumo ao fumódromo. Jesus, Maria, José e que mulheres. Um telefone desses na agenda não faria mal nenhum, heim? Também não faria bem, a julgar pelo alto nível técnico dos layouts femininos em questão, seria azeitona demais para a empada do jovem redator desempregado de 26, fora de forma, sem carro bacanudo, sem loft descolado e possuidor de celular pré-pago. Enfim, ao menos a paisagem seria mais bonita durante o ato de fumar. Aceso então o cigarro foi.

Nenhum cinzeiro pelas proximidades, cinzas ao vento. As duas são muito bonitas. Uma é mais classuda, deve ser atendimento. A mais informal, pelo jeito engraçadinho, deve ser da criação ou RTVC. Um dia quem sabe ele toma café com uma das duas, mesmo que seja levando uma bronca no meio do corredor por causa de campanha atrasada.

O cigarro acabou, as duas já subiram, onde jogaram as baganas? Seria falta de educação lançar no estacionamento. Ah, logo ali tem um lixeiro meio esquisito com um saquinho plástico comprido. Interessante, deve ser uma dessas peças de design com funções primárias, porém caríssimas. Bagana devidamente jogada fora.
....

Corta para outra agência. Fim de entrevista, tempo de fumar um cigarro na entrada do prédio até a chuva diminuir. Olha só, o mesmo tipo de cinzeiro com o plástico comprido. Deve ser um padrão em de empresas do setor de comunicação.

Já sabendo onde depositar a bagana ao final do cigarro, o redator vai fumando e apreciando o movimento de entrada e saída do edifício. Um senhor com jeito de quem trabalha no departamento financeiro chega na porta de entrada e fecha seu guarda-chuva. Estranhamente ele o deposita no lixeiro de plástico comprido...ei, mas aquilo não é um lixeiro é um...embalador de guarda-chuva?! Ele retira o guarda-chuva devidamente embrulhado em um plástico e magicamente outro saquinho comprido aparece no mesmo local.

Er...

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