Ô rapaz (piada interna)


É duro reconhecer, tentei amenizar, resisti até onde pude, mas não dá mais para negar que mais uma fase da minha vida social acabou. Fases da vida social de todos iniciam e terminam todos os dias e, na verdade, azar de quem não possui tais inícios e términos e passam pelo mundo na mesmice.

Mas não é porque as mudanças são naturais e até desejáveis que elas não são difíceis. Mudar de cidade, de emprego, de amigos, implica em centenas de coisas. Uma delas é a tolerância. Você está começando praticamente do zero, possui alguns amigos no novo hábitat, mas ele continua sendo majoritariamente hostil. O grupo com o qual você estava acostumado e passou anos da sua vida involuntariamente selecionando, de repente se desfaz e você precisa estar predisposto a fazer novas amizades.

Em nome da tal tolerância e do convite dos novos amigos, sua diversão também muda. Nunca me imaginei, por exemplo, assistindo um desses shows gratuitos para milhares de pessoas em praça pública. Com apenas alguns dias em terra nova, lá estava eu encharcado em meio a um temporal amazônico no Parque do Ipiranga, esperando por uma banda que não gosto e pior: sem poder falar mal ou xingar, já que até onde a vista alcançava, eles estavam lá, os fãs xiitas do tal Sarapatel do Estômago Queimado ou seja lá como chamam aquele som feito para o urbanóide médio achar que está contribuindo socialmente com o país gostando de música de regiões miseráveis.

Bem, mas este texto não trata de música ruim e nem de tipos paulistanos preconceituosos às avessas, estou escrevendo para dizer a falta filha da puta que os meus amigos fazem.

Esse final de semana em especial eles fizeram muita falta. Os comentários ácidos nas mesas de bar, as teorias absurdas, as piadas que só nós entendemos, os xingamentos preconceituosos gratuitos, as confusões na hora de calcular as contas e definir os sabores das pizzas, as cantorias em supermercados e lojas de conveniência, as soluções para todos os problemas do mundo desfiadas entre uma e outra suposição pretensiosa.

Panelinha, grupinho, turma, galera, bando de vagabundos ou “aqueles imbecis”. Qualquer coisa que nos defina como parte de um mesmo grupo já nos deixa satisfeitos, simplesmente porque queremos ser reconhecidos como caras que podem se mandar à merda mutuamente e achar tudo isso muito bacana.

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Observações no caminho de ida e volta do trabalho


- Mesmo pela manhã, período em que grande parte das pessoas costuma tomar banho para ir ao trabalho, era de se esperar que odores esquisitos ainda não estivessem emanando dos sovacos mais afoitos, infelizmente, a premissa não é válida para o metrô paulistano.

- A população de Schnauzers e Poodles nos Jardins é provavelmente maior do que o número de habitantes de ao menos 50% das cidades brasileiras.

- Justamente por causa da superpopulação de cachorros, descer da Paulista até o prédio comercial onde trabalho na Lorena é uma verdadeira corrida de obstáculos por entre cães e seus cocôs.

- A comida daquele restaurante com “Prato Comercial por R$4,00!”, realmente vale quatro reais.

- Um dia os donos de restaurantes baratos de São Paulo se reuniram durante a madrugada em um escuro galpão do Braz e decidiram que dali em diante, qualquer PF viria sempre com uma quantidade estúpida de arroz para que os outros elementos formadores do prato pudessem ser economizados, como o frango, o bife ou a calabresa.

- Gostou daquele tênis, mas a loja só tem um último exemplar e número 41, quando você calça 42? Não caia na conversa da vendedora dizendo que o tênis vai se moldar ao seu pé, principalmente se na volta do seu trabalho você precisar enfrentar seis quadras de subida. Acredite, dói.

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Bed of Roses


Após 26 anos na casa dos meus pais e dormindo em cama de solteiro, finalmente é chegada a hora da montagem do próprio apartamento e da escolha de uma nova cama. “De casal, claro!”, diziam todos os amigos há mais tempo na solitária vida paulistana. Isso nem tinha passado pela minha cabeça: cama de casal ou não? “De casal, claro!” Me convenci. O acréscimo de espaço no leito de descanso é a marca de que finalmente a vida adulta chegou, é a consagração da vida sexual independente, de poder entrar em casa fazendo barulho ou jogando roupas pelo caminho. A cama de casal significa que você pode perguntar sem constrangimentos “na minha casa ou na sua?” e não precisa mais se preocupar necessariamente em esconder a camisinha.

Uma cama nova não estava nos meus planos, visto que ainda não fiquei rico. Inicio a procura por uma usada em um conhecido site de leilões virtuais. Comecei a viajar nos modelos, pensar em como seriam belas as manhãs de ressaca em uma perspectiva horizontal ampliada. Com a cama grande, o susto ao acordar com uma caminhoneira ao lado é menor, já que você tem maior distância em relação à agressora e tem mais espaço para reagir e pular do colchão rapidamente a tempo de traçar uma boa rota de fuga para o banheiro.

Opa, Cama casal em madeira maciça com colchão R$250,00. A vendedora está em São Paulo. Pelas fotos, gostei do material, comprei, é minha, ninguém tasca, preciso estrear nem que seja com a Jenna Jameson no DVD.

Sábado de carnaval na capital. Meu amigo que me hospeda pacientemente em um colchão de 3 centímetros de espessura - até que meu apartamento reúna condições para o surgimento da vida, sugere que eu faça o resgate da cama através de uma Kombi-caçamba que faz “carretos” e estaciona próxima ao nosso prédio. Andamos alguns metros até o veículo ou o que sobrou dele. Identificamos no vidro uma plaqueta com o celular para a contratação do serviço de transporte.

- Alô!
- Bom dia, meu nome é Edoardo, estou ligando para contratar um serviço de transporte de móveis, é com o senhor que falo?
- Oi?
- Bom dia, é sobre um serviço de transporte de móveis, eu gostaria de contratar o senhor...
- Ah, transporte? Na Kombi, né? É Móvel, é?
- É sim, é uma cama de casal, ela tá na Penha, eu moro aqui na Vila Mariana na mesma rua onde a Kombi do senhor está estacionada, quanto sairia?
- Eu faço transporte, posso pegar essa cama sim, ta na Penha, é?
- Isso...
- E o senhor ta onde?
- Na Vila Mariana, na rua Neto de Araújo.
- Ah, é a mesma rua onde fica estacionada a minha Kombi, o senhor quer ir na Penha, é?
- sim, quero, vamos logo marcar um horário pra esse transporte?
- Duas da tarde ta bom?
- Certo, aguardo o senhor então, qual o seu nome?
- Cordeiro. Cordeiro Transportes.

Pouco antes das duas da tarde, eu e meu amigo, trajado com uma camisa do Clube do Remo, mesmo não torcendo por time nenhum (já disse a ele que isso é coisa de mulherzinha, “ai, só torço pelo Brasil”), encontramos com o senhor Cordeiro em frente à Kombi.

- Oi, Cordeiro, sou eu o Edoardo do telefone, tudo bem?
- Oi, tudo bem, eu to aqui esperando um rapaz que marcou um frete.
- Pois é, sou eu – Tento descontrair o ambiente, pontuando as frases com risos de cumplicidade.
- Ah, certo, então diga lá – Cordeiro entra no clima e já somos chapas.
- Pois é, temos que pegar uma cama de casal na Penha.
- E vamos levar pra onde?
- Aqui mesmo, rua Neto de Araújo. Eu moro naquele prédio ali na esquina.
- Nossa, ta láááá na Penha, é? É uma cama?
- Isso, Cordeiro.
- E depois a gente deixa ela onde?
Respiro fundo e digo – Aqui mesmo, rua Neto de Araújo. Eu moro naquele prédio ali na esquina.
- Nossa, pra cá mesmo? Eu moro aqui também, minha Kombi sempre fica parada aqui – Cordeiro parece surpreso ao descobrir o fato de morar na mesma rua onde fica meu apartamento.
- Cordeiro, em quanto vai ficar o serviço? – Méio ríspido, Saulo, o pseudo-remista entra na parte da conversa na qual é mestre, a negociação.
- Er...deixa eu ver, é na Penha, é? Uma cama? Depois voltamos pra Vila Mariana? Pra qual rua mesmo?

Dessa vez não respondemos nada, apenas olhamos incrédulos para Cordeiro esperando que nos revelasse seu preço.

- Cento e cinqüenta.
- Como é? Não, Cordeiro, calma lá! – Saulo Parece indignado com o orçamento da Cordeiro Transportes. Ele ficaria indignado mesmo que o serviço fosse gratuito. Provavelmente exigiria um brinde ou cafezinho.
- Pô, não posso fazer por menos, é cento e cinqüenta.
- Cordeiro, morre nuns oitenta, vai.

Cordeiro pareceu ofendido com a tentativa de Saulo de tirar-lhe 70 reais da carteira.

- Porra, vocês sabem de onde eu vim para atender vocês?? Lá do Parque Antártica, porra! É cento e cinqüenta!

Tensão instaurada no ambiente, tento apaziguar – Centro e trinta, Cordeiro, vamos lá?

Saulo parece irredutível – Não, Doda! Ele vai fazer por oitenta!

Cordeiro confuso – Doda? Não era Eduardo?

- É porque meu nome é Edoardo com “o”, então meu apelido não é Duda, é Doda.

Com cara de palmeirense perdido em um jogo da segunda divisão da liga neozelandesa de Rúgbi, Cordeiro emenda – Mas sim, é na Penha, é? Você sabe andar pra lá? Em que parte da Penha, é?

- Nunca fui pra lá, tenho o endereço anotado aqui e temos o mapa, vai ser tranqüilo, é só pegar essa rua...Amador Bueno da Veiga, de lá nos viramos.

- É uma cama, é? A Penha é longe, depois temos que trazer pra cá, é? É prédio?

Saulo impacienta-se – Cordeiro, vamos acertar logo esse preço, depois vocês discutem com chegar lá, morre nos oitenta?

- Não, oitenta não dá, cento e vinte, que tal?

- Pra mim ta ótimo, vamos nessa – Tento resolver rapidamente.

- Mas, Doda...

- Saulo, quem tá pagando sou eu, porra! Já aceitei, vou nessa.

- Mas, Doda...

Alheio ao nosso breve entrevero, Cordeiro parece divagar perdido entre pensamentos:

- Uma cama...é de casal? Na penha, depois Vila Mariana...em que ponto da Penha fica mesmo? Acho que vamos pela Radial...

Preço fechado, entro na Kombi pelo lado do motorista, pois Cordeiro frisa que a porta do passageiro não abre. Na entrada percebo um pneu da frente careca, provavelmente fazendo par com o outro.

- Cordeiro, o cinto, cadê?

- Ah, pega esse pano amarrado aí e só joga por cima do ombro pra disfarçar. É na Penha, é?

Cordeiro pega a chave de fenda no porta-luvas e puxa alguns fios escondidos sob o volante. O motor está ligado.

No longo trajeto até o símbolo de minha independência sexual, percebo que São Paulo não é tão grande, na verdade é grande pra caralho. Passei em áreas que provavelmente nunca mais irei voltar na vida. Pelo guia tento ao menos saber a região onde estou. O motorista também não parece saber muito bem para onde está indo.

- Penha, Penha...seguindo reto aqui estamos lá. É uma cama de casal, não é isso? – Prossegue falando o bom e velho Cordeiro.

Com alguma dificuldade em achar a rua, chegamos à casa de Juliana, a vendedora da cama e moradora da Penha. Pessoalmente a cama me decepciona um pouco devido a alguns arranhões, mas nada assustador. Ainda parece um bom negócio.

No meio do carregamento das peças da cama, meu amigo Cordeiro rala o tornozelo em uma pedra, foi feio. Também no transporte, Juliana fala um pouco de sua vida. Ela é Animadora de festas infantis e nunca tinha vendido e nem comprado nada pela internet. Anunciou a cama às 17:30 e às 19:00 eu dei o lance comprando o objeto. Fico com o cartão dela para o caso de precisar de uma animadora de festas, tenho muitos amigos depressivos, um pouco de animação seria bacana.

- Agora a gente leva a cama pra onde?
- Cordeiro...Vila Mariana, rua Neto de Araújo.
- Ah, é a mesma rua onde eu moro e a minha Kombi também fica estacionada lá!
- É Cordeiro, é isso mesmo, pra lá – Suspiro.

Cordeiro inventa um caminho de volta bem mais rápido que a ida e gaba-se pelo feito durante nosso retorno à zona sul.

- Gostou do meu caminho, heim, heim? Foi rápido, não? Já estamos na Vila Mariana de novo, viu só...a rua é a Neto de Araújo, é?
- Nesse prédio baixinho aqui da esquina.
- Minha Kombi fica estacionada aqui pertinho.

Evito pensar nos três andares que separam meu apartamento do solo, mas não consigo. A imagem do meu rosto vermelho e contorcido tentando empurrar o baú da cama escada acima é terrível demais para ser ignorada, mesmo eu não sendo tão feio.

- É no primeiro andar?
- Não, no terceiro.
- Deus do céu, não dá pra mim, vou chamar o Gilmar.

Gilmar era um cara boa praça e vesgo. Costuma ajudar Cordeiro em carregamentos e mudanças e ganha uns trocados com isso.

- Trabalhei 5 anos nas casas Bahia como carregador e montador, levar essa cama vai ser moleza – Repetiu Gilmar umas 37 vezes, com um olho no peixe e outro no gato.

Enfim, a cama subiu, por enquanto só ela.

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