Caso do piu


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A história a seguir é baseada em fatos reais. Os nomes de pessoas e empresas envolvidas no desenrolar do blá, blá, blá foram trocados e/ou omitidos por questões de segurança.

O cliente era uma faculdade privada. Mais uma destas que primeiro pensam na sigla para depois escolher o que ela significa. Desentenderam-se com a agência anterior uma semana antes da abertura das inscrições para o vestibular do começo do ano. Chegaram segunda-feira na agência em que eu trabalhava, queriam a campanha completa (jornal, rádio e TV) pronta até sexta. Prazo apertado não é novidade pra quem trabalho nisso, então vamos lá.

Começa a tradicional associação de idéias. Vestibular lembra desafio, escolha, calouro, trote. Trote, era isso, vamos por esse caminho da alegria pela aprovação.

- Mas e depois da festa pela aprovação vem o que? - Rodney, o atendimento da conta e um dos donos da agência, pergunta.

- Ora, aí está a diferença de quem optou pela FIFUPA - respondeu Alex, o redator, emendando - na FIFUPA você não fica só naquela farra da aprovação de pintar a cara, quebrar ovo na cabeça, não, não. O calouro FIFUPA sabe que fez uma escolha com algo mais, uma escolha de conteúdo que vai fazer a diferença no seu futuro.

Herbert Maurício, o diretor de arte da campanha, puxa então o primeiro layout.

Ovos. Vários deles, inteiros, enfileirados e arrumados, lembrando o trote da aprovação no vestibular, o quebra-quebra de ovos na cabeça do calouro. Em destaque, no centro do anúncio, um dos ovos estava com a casca rompida e visivelmente vazio. Supostamente saído deste ovo, um pintinho amarelinho, trajando gravata e segurando uma pasta executiva. Era a representação lúdica do vestibulando que optou pela FIFUPA. Título do anúncio: “Passar no vestibular é fácil, o importante vem depois”. Mais simples, direto e estúpido impossível.

- Er...mas...é um pinto, não? – Rodney, o atendimento, demonstrava seu ceticismo a respeito da peça.

- Exatamente, um pinto! O cara que escolhe a FIFUPA é esse pinto! E não somente um calouro vazio...sacou? Vestibular, festa, ovos na cabeça, ok. Mas e depois? Ora, depois o aluno FIFUPA vai fazer a diferença no mercado de trabalho, será bem sucedido, um ovo que deu certo, ou seja, um pinto! – Alex estava muito empolgado.

- É isso aí. – Completou o genial Herbert Maurício, que havia enriquecido a cor amarelo-ouro do pinto no Photoshop “pra dar uma idéia de riqueza”.

Mostraram o roteiro do comercial de TV. Câmera fechada em uma frigideira no fogão. As mãos de alguém quebravam um ovo na borda da frigideira e logo depois o fritava. O locutor dava as primeiras dicas no off. “Passar no vestibular é muito fácil”. Vinha o pulo do gato: as mãos tentavam quebrar outro ovo para fritá-lo, mas este simplesmente não se rompia, mostrando que tinha “algo mais” ali dentro. Entravam as imagens da faculdade, alunos estudando, laboratórios, professores qualificados, inscrições abertas do dia tal ao dia tal, logomarca da FIFUPA. Cortava novamente para a cena do fogão e...vejam só...nosso amigo pinto estava lá, feliz e saracoteante com sua gravatinha, pasta e óculos. A locução fechava o reclame com chave de ouro: “...Vestibular FIFUPA. O importante vem depois”.

Rodney seguiu apavorado para o ciente ainda na terça-feira pela tarde. A galera da criação trabalhou até uma da manhã pra deixar tudo pronto. Assim que o cliente aprovasse ou rejeitasse a idéia, eles também já estavam preparados para outras madrugadas na agência, pois a campanha iria pra rua na sexta-feira até o final do dia.

Rodney voltou.

- Galera, vocês não vão acreditar...

- O que foi? Ele não gostou? Mas que filho de uma puta, eu sabia! Esses caras não entendem nada de propaganda, agora vai pedir uma campanhazinha qualquer com alguma idéia que ele mesmo teve, e nós aqui nos matando até de madrugada, humpf. – Alex inflava seu ego.

- Não, não, ele achou do caralho, sei lá como, mas achou.

- Ah, eu sabia! Claro que ele achou do caralho, você é que não entende nada de propaganda, tava querendo bem pedir que criássemos uma campanhazinha qualquer que você mesmo teve a idéia, e nós aqui nos matando de madrugada, humpf, nada disso! É pinto na cabeça!

Apesar de, desta vez, não ter jogado contra a criação, o atendimento parecia ser o lado sensato da história. Mas, como nas guerras, a sensatez já não estava presente, o pinto venceu e estaria na rua em alguns dias.

O anúncio só necessitava de alguns ajustes nas informações e logo estaria com a versão final pronta. Se a montagem do pinto engravatado era bem produzida? Bem, vamos mudar de assunto, a agência e o cliente estavam com pressa.

Agora era correr até a produtora para filmar o comercial de TV. Alex e Herbert Maurício foram escalados para acompanhar gravação e edição do comercial. Na quarta passaram o dia todo na produtora.

- Arrumaram um pinto? – Perguntou Alex para Sinval, o produtor escalado para o comercial.

- Sim, minha avó cria galinhas no quintal de casa, trouxe até três pintinhos pra garantir.

- Garantir? Mas garantir o que?

- Eu nunca gravei comercial com um pinto, não sei se eles são temperamentais, vai que ele se estressa e empaca ou morre, sei lá.

- Não, morrer, não! Tá louco? É um pinto cara, imagina a cara da minha mãe se ela sabe que eu fui responsável por matar um pintinho em nome de um porco capitalista dono de faculdade privada.

- Você fez universidade pública?

- Fiz, por que?

- Nada, só pra saber...bem, tá aqui o primeiro pinto.

- Não! Esse é “O” pinto, vamos parar com isso de “primeiro pinto” como se fosse precisar de um segundo, ok?

- Ok, você manda, mas qualquer coisa temos outros dois...aliás, como sabemos se esses pintos são galos ou galinhas?

- Hummm...não faço a mínima idéia, vai ver eles se decidem depois, por enquanto eles são apenas pintos.

- Ele pode ser um frango ou uma franga também. Tem diferença entre pintos de frango e pintos de galinha?

- Sinval, acho que você pode começar a produzir o pinto, não? Ele precisa de gravata e uma pasta, lembra do roteiro?

- Ok, ok, vamos lá.

Sinval levou o pinto para algum canto obscuro da produtora. Já havia manufaturado um tosco conjunto de gravata, pasta e óculos em tamanho especial para o pinto.

Não conseguiram de jeito nenhum encaixar a pasta em baixo da asinha do pinto, mas a gravata ao menos já estava colocada com um pequeno elástico. Sinval então colocou um mínimo de cola super bonder em ponto dos pequeníssimos óculos do pinto. Segurou-o pelo pescoço para encaixar os óculos no bico do bichinho. Não conseguiu, o pinto não resistiu ao aperto no pescoço.

- Puta merda, ainda bem que trouxe mais dois. – Sinval disse para si mesmo.

Tratou de esconder o pinto falecido em uma caixa para que Alex não notasse que o primeiro protagonista já era. Enquanto isso, no estúdio eram filmadas as cenas das mãos quebrando o ovo que era frito, ou seja, o que não tinha pinto dentro.

Com alguma dificuldade, no segundo pinto, Sinval conseguiu colar os óculos. Gravata alinhada, já podiam gravar. E assim o fizeram.

- Olha que bonitinho. – Exclamou o calado Herbert Maurício, o diretor de arte, ao ver o pinto engravatado.

- Muito fofo mesmo, minha mãe vai adorar. – Acrescentou Alex, o redator.


A turma da produtora ia virar a noite para fazer a edição. Alex e Herbert Maurício foram para suas casas no começo da noite e esperariam o resultado final da edição pela manhã, já na agência.

Quinta, depois do almoço, chega o motoboy da produtora com a primeira versão do comercial. Toda a agência (cerca de 9 pessoas, sabe como é empresa começando) reuniu-se na sala dos chefes Rodney (o atendimento) e
Cristino (o dono da grana). Eram tempos ainda de fita VHS, nada de internet em banda larga com vídeos alta resolução em AVI.

(som do comercial sendo exibido por duas vezes seguidas. Encerrava com o som do pinto piando)

- Muito bom, estão todos de parabéns! Nosso primeiro prêmio está chegando! – Cristino não conteve a emoção.

Rodney não tinha palavras.

- Bem, eu...

- Você vai aprovar isso hoje mesmo e ganhar um sorriso do cliente! – Completou o empolgado Alex.

E Rodney seguiu para a FIFUPA, o cliente aguardava ansioso para assistir seu primeiro comercial de TV com a agência nova.

Professor Ptolomeu, o dono da FIFUPA, de tal empolgado com a idéia do pinto, reuniu seus principais funcionários na sala de reuniões para que todos assistissem ao pinto juntos.

Rolaram as apresentações e troca de cumprimentos. Alguma conversa fiada de Rodney contando detalhes falsos de como a produção foi trabalhosa, mas graças às soluções genialmente criativas da agência, todos os obstáculos foram vencidos, resultando no excelente comercial que seria exibido agora.

(som do comercial sendo exibido por duas vezes seguidas. Encerrava com o som do pinto piando)

(som da sala emudecida, todos esperam pela opinião do Professor Ptolomeu, que dará o tom da reunião. Ele se pronuncia chamando sua secretária pelo telefone)


- Dona Leirianny, faça uma ligação pro Glêider...isso, o Glêider da nossa agência...não, não é ex-agência não, é a nossa agência ainda. – O professor desliga e volta-se para Rodney.

- Rodney, foi um prazer conhecer você, qualquer pagamento que estamos devendo pela produção desta...er...campanha, você pode agendar para o começo do mês com o nosso departamento financeiro. Até logo e qualquer problema fale com minha secretária.


Ao final do dia, na quinta-feira mesmo, a FIFUPA retornou para sua antiga agência. Colocou no ar o mesmo comercial veiculado no ano anterior, mudando apenas as informações como datas de inscrição e provas.

O segundo pinto, que teve um par de óculos colado ao seu bico com super bonder, morreu algumas horas após a gravação do comercial estrelado por ele, jamais veiculado.


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