Outra sexta.


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A saída do metrô Vila Mariana é sempre uma corrida de obstáculos por entre vendedoras cantantes de guloseimas e distribuidores de panfletos que prometem carteiras de motorista baratas e resolução de problemas espirituais. Das vendedoras eu passo longe, estou muito gordo e não posso tocar em suas calorias excessivas. Carteira de motorista eu já possuo. O que me indigna são os panfletos de videntes, astrólogos, tarólogos e demais picaretagens. Porra, eu não tenho problema espiritual porque não tenho espírito, sou ateu e cético cacete! Se eu precisar resolver algum problema na minha cabeça pago um psicólogo, que investiu anos de sua vida estudando alguma coisa com base científica e dispõe seus conhecimentos em troca de remuneração justa para tal.

Era uma sexta. E após minha divagação filosófica a respeito dos panfletos místicos, chego em casa e resolvo que não irei sair. Prefiro alugar qualquer porcaria em DVD (sexta por volta das 20h não existe mais filme bom em nenhuma locadora do mundo ocidental) e preparar uma apetitosa pipoca de microondas para acompanhar o copo de 500ml preenchido pelo miraculoso líquido negro gaseificado que convencionamos chamar de Coca-Cola.

A pipoca de microondas não é para amadores. A maioria das pessoas acredita que basta jogar o saco lá dentro, marcar o tempo indicado na embalagem e aguardar o estouro. Quanta ingenuidade! O correto preparo da iguaria depende de uma complexa equação envolvendo as marcas da pipoca e do microondas. O tempo de preparo varia muito de acordo com estes dois fatores e o gourmet que se aventurar na seara pipoqueira deve ter isto em mente. É preciso acompanhar o saco de pipocas de perto, ficar ao lado do forno, observando, captando sinais. Às vezes as pipocas estouram, mas por meros cinco segundos a mais ou a menos, você corre o risco de obter muito milho e pouca pipoca ou uma massa enegrecida de desafortunadas pipocas carbonizadas.

Eu não sou bom com pipocas, sou ótimo, um astro. Eu elevei a produção de pipocas em fornos de microondas à categoria de arte. Ninguém no mundo faz isso melhor que eu, ninguém. E naquela sexta-feira eu já preparava o show na cozinha quando meu pouco equipado telefone celular anunciou uma chamada. Era o Flávio, amigo que adora me colocar em roubadas noturnas. Pensei em atender e dar como desculpa para ficar em casa uma diarréia imediata de terceiro grau, mas a curiosidade em torno do que poderia ser proposto me fez apertar o botão verde.

- O que é desta vez? Se eu terminar a noite novamente em uma festa de reggae conversando com mulheres que não depilam as axilas desde 1998 eu juro que te faço comer capim.

- Vamos parar de remoer o passado, hoje é outra sexta-feira, as esperanças de diversão se renovam. Guarde essa cara de bunda velha no armário e vamos pra guerra!

- Merda, qual é a idéia desta vez?

- Vila Olímpia! Esta noite seremos playboys!

- Como assim??

- Isso mesmo! Vamos ver pessoas diferentes, outros ambientes, outra música!

- Hummm...pode ser engraçado.

- Exato! Vamos nessa, escolhe uma roupa mais arrumada que em 25 minutos eu passo aí.

- Camiseta de banda não pode? E All Star?

- Esquece! Temos que nos misturar ao ambiente, arruma algo mais maurício.

Flávio possui a estratégica tática verbal de determinar 25 minutos como prazo para qualquer coisa, pois é um tempo meio-termo: ele dificulta a contagem dos minutos para seu interlocutor, pois dizer “meia hora” abre margem para um cálculo mais fácil de horário ou de uma interjeição do tipo “porra, meia hora??”. Já os 25 minutos não prometem a mesma rapidez de 10 ou 15, mas também não soam ofensivos e, caso ele consiga a proeza de chegar em menos tempo, ainda transmite imagem de pontualidade.

Enfim, uma hora e meia depois estávamos seguindo pelo complexo viário Ayrton Senna rumo ao desconhecido, ou melhor, à Vila Olímpia, o que para nós é quase a mesma coisa. Caprichamos no figurino e no jogo de cena, inclusive andando com os braços para fora da janela do carro e portando estratégicas cervejas long neck na mão para melhor configurar nossa atitude playbo-mauricística.

Antes do ponto de parada final, circulamos por algumas ruas da área, observando o movimento nos barzinhos e buscando alguma adaptação com o estranho universo dos lugares-comuns. Assim como nas regiões da cidade dominadas por gente “descolada”, “cheia de atitude”, “formadora de opinião” ou algum outro rótulo pedante, os estereótipos também são facilmente reconhecíveis na região mauricinha: pitboys, surfistas ruins de prancha, cachorronas, pagodeiros chiques, etc e muitos etc. Uma categoria que eu desconhecia eram os motoboys-hip-hop da esquina da Faria Lima com a Juscelino. Pelo que notei, os futuros integrantes do também futuro da nação, disputam pegas ou algo semelhante pelas redondezas, sempre mantendo a atitude bruto-neanderthal, combinando perfeitamente com os tempos de terrorismo e ignorância vividos pela cidade nos últimos tempos. Esta é a verdadeira vanguarda de comportamento da capital.

Chegando ao local pré-marcado para a noite continuar (o qual prefiro não citar o nome para não configurar propaganda de estabelecimento não merecedor da mesma), com muita dificuldade consegui pegar uma cerveja, já que tenho apenas 1.69m de altura e o lugar estava irritantemente lotado de caras ao menos 10 centímetros mais altos que eu disputando a atenção dos funcionários do bar. Rapidamente sequei a primeira garrafa, tentando lançar olhares oblíquos para as mulheres presentes no local, sem sucesso algum obviamente, pois nenhuma conseguiria me enxergar. Na segunda tentativa de beber, ergui meu braço o máximo que pude com o cartão de comanda em punho, na esperança do garçom conseguir enxergar minha mão atrás dos ombros de algum dos jogadores de basquete que se amontoavam na droga do balcão. Encostei o braço sem querer em um cara não tão alto, mas de largura suficiente para ocupar dois lugares no ônibus sem ser incomodado.

- Qual é, porra? Tá me tirando? – Disse o troglodita com algum sinal de sotaque nordestino.

- Er...foi mal, desculpa aí.

- Desculpa é o caralho, tu quer levar uns...

- Ei, cara, essa tatuagem na tua mão é do Leão?? – Em rápido lance, interrompo o cara antes de, no mínimo, levar um empurrão.

- É sim, Sport Club do Recife – Ele responde meio desconfiado, desta vez com sotaque mais caprichoso nas palavras “isporte” e “récife”.

- Pô, eu também torço pelo Leão, mas o Leão do norte, o Remo.

- Sério? Sempre vou na Ilha, já vi teu time perder pro meu em Recife várias vezes.

- Olha só que bacana, eu também já vi o Sport, também ganhando do Remo, mas em Belém.

- Vocês estão na lanterna agora, né?

- Pois é, essa diretoria...

- Ô rapaz, nem me fale, a do Sport também...quer que eu peça a tua cerveja? Sou mais alto.

- Ah, eu agradeço.

Após comentarmos mais algumas peculiaridades futebolísticas da segunda divisão nacional, despeço-me amistosamente do torcedor-colega de Série B e volto a observar o ambiente. Finalmente percebo que existe uma dessas bandas genéricas de pop-rock no local, executando hits óbvios para estas ocasiões. Flávio, sumido desde que entramos, surge desesperado me puxando pelo braço.

- Doda! Doda! Olha isso aqui por favor! – Pensei em algo sensacional, tipo duas mulheres em tubinhos pretos e sem calcinha no maior amasso na porta do banheiro, mas não era bem isso.

- Puta merda...

O vocalista da banda, um cara que conseguia ser mais baixo que eu e levemente mais gordo, se esgoelava cantando Satisfaction e imitava os trejeitos de Mick Jagger no palco: as tremidinhas, as caras e bocas, tudo. Por mais que a descrição possa remeter ao grotesco, o cara realmente sabia o que estava fazendo. A partir daí resolvi dar um crédito para a banda e, como nos tempos onde eu emendava da faculdade para um boteco, acabei enchendo a cara ao som dos rocklichês. A última música me surpreendeu, positivamente inclusive, pois bandas cover de jardim não costumam tocar Jailbreak do AC/DC.

A noite segue comendo fatias de minha conta bancária em forma de cervejas debitadas no cartão-comanda do estabelecimento. Devidamente encorajado pelo álcool, analiso o que falar para alguma das senhoritas de cabelo escovado que se aglomeram em todos os cantos.

- Oi.

- Oi.

É, com essa não deu certo. Ela estava passando muito depressa, talvez estivesse desesperada para ir ao banheiro fazer xixi ou conferir o estado da maquiagem.

- Oi, tudo bem?

- Tudo.

Mais uma que passa rapidamente a caminho de algum outro lugar que não o meu lado esquerdo ou direito.

Após a banda, o DJ de plantão assume o som e alterna o set list entre funk carioca e dance music estilo rádio pop FM.

Uma morena de pele clara, um pouco mais baixa e possuidora de um sorriso que me faria invadir o Iraque com uma desculpa esfarrapada qualquer puxa assunto comigo.

- Oi, tudo bem? – Ela pergunta.

- Tudo e com você?

- Legal também. Qual seu nome?

- Eduardo, e o seu? (para desconhecidos eu sempre me apresento como “Eduardo”, com “u” mesmo. A revelação de que ninguém me chama assim e que meu nome é “Edoardo” com “o” consome tempo demais e pode ser explicada depois)

- Carla.

- É, você tem a maior cara de Carla mesmo, saca? Eu ia até arriscar um palpite, vi você ainda agora dançando ali na frente e pensei “aquela é a Carla” e...

- Você tem um cigarro?

- Tenho sim, ó...quer fogo?

- Ah, obrigada, mas não precisa, meu namorado tem.

Deu o tradicional beijinho único de paulista em meu rosto e sumiu, deixando minhas piadas pelo chão e a garrafa long neck em minha mão.
- Flávio, eu vou embora.

- Mas já?

- Já, antes que a gente termine a noite em uma festa de reggae conversando com mulheres que não depilam as axilas desde 1998.


2 Responses to “Outra sexta.”

  1. Anonymous Anônimo

    Ninguém merece "onda" na Vila Olímpia!!!

  2. Anonymous Anônimo

    Cara, Vila Olimpia é o tipo de lugar 'não fui e não gostei'. Pior que isso só as garotas de Rio do Sul - SC, que são lindas, mas são 'gente boa' demais. O eterno 'te vejo como amigo'. Meus colegas de Citibank da Av. Paulista sempre me chamaram para a VO, e sempre recusei, com a certeza de que meu dinheiro seria melhor gasto com cerveja barata num show do Ludovic (ou do La Pupuña, no Mormaço, para lembrar de Belém com o devido carinho).

    Descobri o blog há pouco, só te lia no RM.

    Abraços.

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