Reflexão inócua


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A propaganda inócua é sempre a última a saber. Aquele tipo de piadinha, aquela malícia (ou falta de) no redigir do trocadilho, a tentativa de surpreender. Tudo chega por último no reino sem sal dos inócuos, que também pode ser chamado de terra dos medíocres.

O problema começa em um comportamento comum à maioria da sociedade: o comodismo. Não apenas aquele que nos impede de dizer umas verdades na cara do chefe ou discutir a relação com a namorada, mas o comodismo intelectual. Comportamento que não deveria ser tolerado entre profissionais que dizem trabalhar com comunicação.

Esse comodismo é aquela preguiça ou total falta de costume de ler umas resenhas e procurar um bom roteiro, ao invés de alugar um daqueles filmes com clichês no lugar dos nomes, tipo “Férias muito loucas”, “Meu cachorro é do Barulho” ou “Perseguição Implacável”. Um bom criador de propaganda inócua também não leu mais do que 4 livros ano passado e acha que aquilo que o Barão Vermelho toca é rock. Em resumo, para o inócuo, é mais fácil pegar alguns estereótipos de inteligência já construídos e declarar seu gosto pessoal por estes, daí Chico Buarque ou Luís Fernado Veríssimo se transformarem em gênios muito conhecidos, mas pouco apreciados. Já o conhecimento político do inócuo se resume a dizer que “nenhum presta”, e ele pode até estar certo nisso, o problema é que sua opinião dificilmente passa destas duas palavras.

Paradoxalmente, a propaganda inócua também pode ser feita por quem não entende absolutamente nada de como funcionam empresas e seus processos internos de decisões. Assim como pessoas que entendem demais estes processos e, por isso mesmo, fazem a propaganda inócua, com o intuito de abanar o rabo para o, quer dizer, satisfazer o cliente.

Criar uma propaganda inócua é basicamente simples e os profissionais que a produzem são bem baratinhos, inversamente proporcionais aos lucros dos donos de agências porque, por incrível que pareça, tem um monte de empresários e diretores de marketing doidinhos para aprovar uma criação inócua.

A boa propaganda placebo começa pelo atendimento/planejamento que adora arrotar umas palavras em inglês, leu Kotler, mas não o Lula Vieira e acha que o Cartoon Network é um canal para crianças. Esse é o cara que chega do cliente cheio de dados, pesquisas, observações e recomendações. A criação recebe o famoso briefing do que e para quem deve criar, este momento é decisivo. Redatores que não conseguem escrever textos com mais de 10 linhas ou diretores de arte que não sabem citar ao menos um desenhista de quadrinhos, dificilmente vão criar algo fora de uma fórmula “pessoas bonitas que tenham o perfil do público-alvo consomem o produto em situação de extrema felicidade do qual o mesmo é o grande motivador”.

Mas digamos que os criadores sejam bem preparados e comandados por um bom Diretor de Criação. A campanha ficou legal, até se utiliza de alguns elementos manjados na comunicação deste segmento, mas possui um bom conceito e uma idéia que pode colar na cabeça do consumidor se mídia e verba do cliente ajudarem. O obstáculo agora é a cabeça do atendimento, que precisará entender que a gracinha no título do anúncio não é a reencarnação de Odete Roithman. E não, a solução não é uma frase na linha do “compre porque é o melhor e o preço é bacana”.

Mesmo que vença o atendimento, a campanha ainda terá de enfrentar o sadismo do cliente ou dos clientes, dependendo de quantas pessoas estarão envolvidas no processo de aprovação. Muitas empresas convidam o estagiário do marketing, o gerente de vendas e às vezes até o cara da informática para participarem das reuniões com a agência. Quanto mais gente opinando em uma reunião dessas, mais inócua a propaganda vai ficando. A tendência, e isto é tão óbvio quanto corriqueiro, é a campanha virar algo genérico, sem riscos, sem sal, sem açúcar.

“Por que o garçom que resmunga não aparece sorridente?” Alguém pergunta. “É mesmo, ele pode passar alguma coisa negativa pro consumidor”. Alguém responde. Outra pessoa opina contra a piadinha que os argentinos fazem com os brasileiros no comercial. “Pode parecer muito pesado”. Outra voz lembra de uma frase do briefing que “pode ficar legal no lugar dessa locução que está apelativa demais”. E haja rasura no roteiro, tesourada nos títulos, lipoaspiração nas peças de mídia exterior e por aí vai. A campanha, que já não era lá essas coisas, agora está perfeitamente adequada ao briefing, seguindo todas as linhas de pesquisa, respeitando todas as premissas do politicamente correto e tomando cuidado para não ofender as mínimas sensibilidades de quem quer que seja, consumidor ou não. Em outras palavras, mais simples e diretas (como as cabeças inócuas gostam): uma merda.

Um filme que está no ar atualmente e ilustra bem o que é uma campanha inócua é o do cartão de crédito Visa. Aquele onde três brasileiros dividem a mesa com dois argentinos e todos não passam de bobocas, felizes, educadamente forçados, como se em toda mesa de amigos assistindo futebol fosse comum alguém soltar aquelas frases. Você pode dizer, “ué, mas se é inócuo, como é que todo mundo lembra do comercial e da marca do anunciante?”. Superexposição. Apenas e tão somente. A Visa é uma das patrocinadoras do futebol da Globo e o comercial veicula mais do que “Fuga de Nova York” no SBT dos anos 80. Outra pessoa pode dizer “tudo bem, superexposição explica, mas se fosse ruim, não ficaria na cabeça do consumidor”. Então complete aquela música: “bota a mão no joelho, dá uma abaixadinha, vai mexendo gostoso...”, viu só? Qualquer porcaria fica gravada na cabeça de qualquer um, é só você escutar, ver ou ler à exaustão que fica.

Ou seja, se qualquer droga veiculada trocentas mil vezes fica na cabeça do consumidor mesmo, porque não colocar algo que preste na cachola dele ao invés de comunicação com cara de piada do Zorra Total? E se o cliente não tem verba suficiente para rodar o comercial trocentas vezes na TV ou colocar um anúncio por semana na veja, por que não arriscar e procurar algo inteligente a dizer e não precisar, necessariamente, colocar imagens pasteurizadas de executivos ou famílias européias estrelando anúncios, imagens que provavelmente serão rebaixadas de categoria quando o receptor deparar com uma idéia mais inteligente à sua frente.

Essas reflexões me fazem ter certeza que eu deveria ter aprendido a tocar guitarra decentemente. Eu poderia estar viajando pelo mundo, enchendo a cara todo dia, comendo modelos famosas, xingando políticos e deixando essas preocupações para alguém que estivesse mais a fim de enfrentá-las.


4 Responses to “Reflexão inócua”

  1. Anonymous Anônimo

    sim, és capaz de escrever mais de 10 linhas de forma a conseguir quase me deprimir numa quarta pela manhã. ou seja: muito bem.

  2. Anonymous Anônimo

    Querido D0da,

    Como vc sabe, transito nos 2 mundos citados. Apesar de não tocar decentemente, não estar viajando pelo mundo (ainda!!), não beber (muito), xingar políticos, etc... não deixei essas preocupações para alguém que estivesse mais a fim de enfrentá-las e as enfrentei eu mesmo para poder pagar o leitinho das crianças. Minha lição é a seguinte: Faça a comunicação que estiver afim de fazer (e julgar adequada) e tire o maior troco possivel (das empresas anunciantes). Para isso, use toda sua inteligencia e perspicácia para faze-los acreditar que vc está fazendo o que eles acham que querem que vc faça!
    Sascou?

    Saludos
    JS

  3. Anonymous Anônimo

    é....o mundo da comunicação é assim mesmo...com o Jornalismo eu passo a mesma coisa...a gente escreve matérias mais intimistas, tira fotos com enquadramento incomum, faz uma diagramação que contemple não só a forma pela forma, mas que reforce o conteúdo e o que acontece? Pedem pra vc fazer tudo de novo, dessa vez de forma a trazer o básico, o feijão com arroz (como dizia meu primeiro chefe "Não tente ser inteligente! Não pense! Faça o feijão com arroz!"), o inócuo e a coisa acaba ficando medíocre..... dá uma pena....rola uma frustração...mas às vezes uma coisinha ou outra escapa das garras dessa galera e a gente fica mais feliz de ter conseguido publicar do jeito que a gente imaginou!

  4. Anonymous Anônimo

    Vizi,
    problemas na agência?
    vamos pro café, vai!

    Beijo

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